sábado, 7 de maio de 2016

Shabat em Varsóvia

É difícil descrever a sensação de passar um Shabat em Varsóvia. Ir na sinagoga e imaginar quantas gerações passaram por este lugar e entoaram as mesmas canções nos últimos mil anos.... Imaginar como eram as ruas da cidade numa sexta feira de tarde, quando o cheiro das chalot tomava conta de todo o bairro. Haviam aqui cerca de 300.000 judeus (um terço da cidade). Conta-se que somente na Rua Chlodna viviam algumas dezenas de rabinos...

Ao contrário de Cracóvia, não há muito para ver em Varsóvia que tenha sobrado da época da Guerra - a cidade foi completamente arrasada pelos nazistas, de modo que muita coisa fica para a imaginação. Nos últimos anos, no entanto, o governo polonês tem investido, em parceira com filantropos judeus, na preservação da história e do legado judaico na Polônia. Como resultado, há hoje um moderno museu judaico em Varsóvia e cada vez mais lugares são preparados para visitação, contando a história dos judeus aqui.  

Varsóvia após o Levante do Gueto

Ontem à noite, fomos ao Kabalat Shabat na sinagoga de Noczyk (leia-se Nojik), a única que restou de pé na cidade após a guerra. Como disse antes, é emocionante pensar que recebemos o Shabat no mesmo lugar onde, por gerações, milhares vinham derramar seus corações. Olhar para suas paredes e pensar tudo o que elas já assistiram - para bem e para mal.

Hoje a sinagoga continua ativa, transmitindo um clara mensagem: "Am Israel Chai" - O povo de Israel vive. Não são mais centenas de milhares de judeus em Varsóvia, mas isso não apaga o significado do lugar. Hoje, em toda a Polônia não há mais do que 8 ou 10 mil judeus. Ainda assim, a sinagoga continua ativa e viva, aberta todos os dias do ano e reunindo pessoas do mundo inteiro que vem aqui conhecer o passado, vislumbrar o futuro e manter viva a memória dos que se foram.

Mas não era esse um Shabat comum. Impossível não se emocionar. Tivemos o privilégio de ter a sinagoga somente para o nosso grupo e a participação de dois grandes chazanim de Israel que nos acompanharam, cantando e dançando com a gente.

Fomos jantar com muita alegria: músicas, histórias e muita diversão em torno de uma mesa de Shabat. Ao voltar para o hotel, nos sentamos para conversar. Cada um falou um pouco sobre as coisas que sente, o que tem percebido durante a marcha e trocamos muitas experiências.

Pela manhã, acordamos um pouco mais tarde do que de costume e saímos para conhecer a cidade. 
Nossa primeira visita foi na Rua Zlota, para conhecer um pouco do que sobrou do Gueto.

As ruas mudaram muito desde a época da guerra. A cidade foi levada à ruínas após levantes contra os nazistas - o famoso levante do Gueto, coordenado por grupos jovens judaicos e pelo famoso Mordechai Anilewicz e também o levante dos poloneses contra a ocupação nazista. Como resultado de seus heroicos esforços, pouco sobrou na cidade ao fim da Guerra. Após a chegada dos soviéticos, a cidade, que perdera também mas da metade dos seus habitantes, teve de se reerguer. Os russos, no entanto, patrocinaram a construção de uma cidade diferente da Varsóvia pré-guerra, trazendo para a cidade a influência da arquitetura soviética e apagando a maior parte dos vestígios dos edifícios (já em ruínas) do que antes era o Gueto de Varsóvia. O entulho que sobrou foi soterrado pelas novas construções, elevando, em muitos lugares o nível do solo. 

(Para quem se interessar, há aqui imagens de Varsóvia logo após a Guerra. É impressionante o que aconteceu com a cidade.)

Por isso, pouco sobrou do Gueto que, entre os anos de 1941 e 1943, os nazistas instituíram e para o qual todos os judeus da cidade e das cercanias eram obrigados a se transladar - o Gueto de VarsóviaSomente um pedaço de muro aqui e outro ali e alguns poucos prédios que ficaram de pé.

O Gueto era enorme, o que torna ainda mais terrível imaginar a dimensão da tragédia. Seus muros cercavam 2.1% da área da cidade, onde foi confinada 30% da população. Onde antes moravam dezenas de milhares de poloneses (judeus e não-judeus), passaram a viver quase meio milhão de judeus. A superlotação, a fome, a miséria e a doença que mataram centenas de milhares faziam do Gueto um lugar que sequer podemos imaginar. A maior parte da comida do Gueto chegava através de contrabandistas, em geral crianças (que podiam esgueirar-se por aberturas no muro), pois a quantidade de ração diária que os nazistas deixavam entrar no Gueto estava calculada para não ser suficiente.

Daqui de Varsóvia, 300 mil judeus foram deportados para a morte em Treblinka e em outros campos e assassinados somente porque judeus. Centenas de milhares de poloneses da cidade também foram assassinados pelos nazistas - é possível enxergar a sombra que o Holocausto lança sobre Varsóvia até hoje e basta um olhar mais atento para perceber que há dezenas de monumentos e marcos históricos espalhados pelas ruas, a maioria com o objetivo de preservar a memória de acontecimentos terríveis e que serão eternamente lamentados pela humanidade.

Fomos almoçar. Também tivemos um almoço especial e festivo de Shabat. Mais uma vez cantamos e aproveitamos para descansar um pouco as pernas, pois hoje foi um dia de longas caminhadas. Depois do almoço fomos conhecer o novíssimo e fantástico museu judaico de Varsóvia. A exposição do museu, muito rica em conteúdo e recursos interativos, conta a história do judaísmo na Polônia durante quase mil anos. Réplicas de lugares, exposições sobre os diferentes períodos, a possibilidade de pesquisar sobre várias personalidades e muito mais - tudo cercado de uma arquitetura moderna, onde cada ambiente transmite também uma mensagem.

Museu Judaico de Varsóvia


Pensávamos que poderíamos também conhecer a cidade velha de Varsóvia, mas hoje houve lá uma grande manifestação e por isso nos foi recomendado não ir até lá. A manifestação (qualquer semelhança é mera coincidência) está relacionada a uma forte polarização na política polonesa entre partidos da direita e da esquerda. Para aqueles que se interessam pela política polonesa, ou para aqueles que são simplesmente curiosos, tá aqui o evento que estragou nossa visita à Cidade Velha hoje (ou clique aqui).

Então, já bastante cansados, voltamos ao hotel. Alguns aproveitaram a piscina e outros foram, acompanhados, dos professores, ao Shopping que fica ao lado do Hotel e é o mais moderno da Polônia. Abaixo uma imagem do Shopping.


Depois, fomos jantar - nossa terceira refeição de Shabat (seudá shelishit) e viemos para o hotel onde fizemos, todos juntos a havdalá. Agora já são 23:45 aqui na Polônia e estamos nos preparando para um longo dia amanhã. Fique com a gente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário